O motorista que é detido dirigindo embriagado e se recusa a fazer o teste do bafômetro não pode ser condenado. Embora a questão ainda não tenha sido sacramentada pelo Superior Tribunal de Justiça, corte a quem caberá resolver o impasse, essa é a opinião da maioria dos ministros que julgam matérias penais na corte.
O levantamento inédito foi feito pelo Anuário da Justiça Brasil 2011, que será lançado nesta quinta-feira (31/3), no Supremo Tribunal Federal. A publicação, com 306 páginas, mostra o perfil de cada um dos 88 ministros que ocupam 93 postos nas cortes superiores e no STF — cinco integrantes do Tribunal Superior Eleitoral atuam também em outros tribunais. Também mostra a seleção das decisões mais importantes de 2010 tomadas pelo STF, STJ, TSE, Tribunal Superior do Trabalho e Superior Tribunal Militar, e detalha o funcionamento de cada colegiado.
Em sua quinta edição, o Anuário inovou ao acrescentar ao perfil dos ministros entendimentos sobre as questões mais polêmicas debatidas em 2010 no Judiciário, e que ainda não tiveram solução final. Foram 30 perguntas divididas por corte e por área, tratando dos assuntos em tese. Cada ministro dos tribunais superiores respondeu a quatro, enquanto que os membros do STF foram questionados sobre seis temas.
Aos integrantes da 3ª Seção, responsável pelo julgamento de recursos criminais, foi proposta a dúvida trazida pela Lei 11.705, sancionada em 2008 (veja ao lado a posição de cada um). A norma alterou o Código de Trânsito Brasileiro, e estipulou os limites de álcool no sangue que configuram o crime de embriaguez ao volante. O que causa confusão é a não obrigatoriedade de que o motorista se submeta ao teste do etilômetro, mais conhecido como “bafômetro”. Para alguns especialistas, exames clínicos ou prova testemunhal podem ser usados para comprovar a embriaguez. Para outros, a lei é clara ao restringir a prova ao bafômetro e, ao não obrigar o suspeito a se submeter ao teste, não ofereceu saída para condenar quem se recusa.
A posição de que a única prova aceitável é a colhida pelo bafômetro convenceu seis dos nove ministros da 3ª Seção. Apenas os ministros Napoleão Maia Filhoe Celso Limongi (convocado) admitem outras formas de comprovação. “A recusa em fazer o teste não pode impedir a Justiça de comprovar o fato ou de dar início à ação penal. A prova testemunhal é de grande valor. Se pode levar uma pessoa à condenação por homicídio, também pode no caso de uma infração de trânsito”, diz o ministro Maia Filho. Segundo seu entendimento, a avaliação dos policiais que abordam o motorista é fundamental.
De acordo com Celso Limongi, embora a lei exija a comprovação do percentual de álcool no sangue — o limite é de seis decigramas por litro —, é possível identificar a embriaguez por outros meios. “Às vezes, os autos trazem evidência de que o motorista mal conseguia sair do carro ou parar em pé. O médico pode perfeitamente diagnosticar o estado”, afirma.
Ausente dos julgamentos da Seção desde setembro de 2010, quando assumiu a vice-presidência do STJ e do Conselho da Justiça Federal, o ministro Felix Fisher também é adepto da corrente de que condenar um motorista embriagado não depende exclusivamente do teste do bafômetro. “Se estiver visivelmente embriagado e houver elementos que provem isso, como pessoas presentes que testemunharam, a comprovação material não é necessária. Do contrário, a prova só seria feita de forma inconstitucional”, pondera.
Já a presidente da Seção, ministra Laurita Vaz, entende que, na falta da prova técnica, o exame clínico é suficiente para que a ação penal tenha andamento. O mesmo não vale para a condenação, em que “a prova técnica é indispensável”.
A culpa, na opinião da ministra Maria Thereza de Assis Moura, é da bem-intencionada Lei Seca, que no propósito de recrudescer as regras, deixou a Justiça de mãos atadas. A ministra explica que a redação anterior do Código de Trânsito permitia a prova de que o motorista estava dirigindo sob efeito de álcool inclusive pelo exame clínico. Porém, “a lei mudou e estabeleceu um parâmetro, um quantum de álcool por litro de sangue, para caracterizar a embriaguez. O médico pode estipular que determinada pessoa aparenta estar embriagada, mas não pode afirmar que ela tinha certa quantidade de álcool no sangue”, diz.
É como pensa também o ministro Og Fernandes. “Para comprovar a embriaguez, objetivamente delimitada pelo artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, é indispensável a prova técnica realizada com o teste do bafômetro ou exame de sangue”, condiciona. O ministro Haroldo Rodrigues é didático ao resumir a sinuca. “Como ninguém é obrigado a produzir prova contra si próprio, a pessoa tem o direito de não se submeter aos testes. E, sem essa prova técnica, não há como condenar”, explica.
No início de março, o ministro Celso Limongi foi autor do voto que respondeu a outra dúvida a respeito do assunto. A 6ª Turma foi unânime em acompanhar o relator do Habeas Corpus 177.942, que questionava a suficiência do teste do bafômetro como prova. Segundo Limongi, o Código de Trânsito não exige o exame toxicológico.
Meses antes, o ministro Napoleão Maia Filho afetava ao rito dos recursos repetitivos os questionamentos sobre a necessidade de exames clínicos para se comprovar embriaguez. Há divergências entre as duas Turmas da Seção. A jurisprudência da 5ª Turma é no sentido de que apenas o exame clínico comprovaria o estado. Já a 6ª Turma admite tanto o exame quanto o teste do bafômetro. A questão agora será julgada pela Seção, de maneira definitiva.
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