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sábado, 30 de abril de 2011

KARATE-DO SHOTOKAI



A não-violência
não consiste em abster-se de toda a espécie de combates reais
perante a maldade.
Pelo contrário,
vejo na não-violência uma forma de luta
mais  enérgica e mais autêntica que a mera lei de Talião...
Mahatma Gandhi

Introdução


O nosso amigo Pedro Escudeiro da Associação de Aikido Aiki-Shuren Dojo pediu-nos que respondêssemos a uma série de perguntas acerca do significado do termo Shotokan e das diferenças entre os métodos de ensino e prática do Karate-do preconizados por Funakoshi O-Sensei e os métodos utilizados hoje pelas diversas escolas que se consideram titulares da sigla Shoto.
 Na verdade é muito raro que alguém pertencente à Shotokai aceda responder a esse tipo de perguntas. Porquê?...
 Penso que a razão desse silêncio se fique a dever não tanto ao desconhecimento da verdade dos factos históricos e actuais - já que, neste momento, eles estão bem estabelecidos e documentados - mas sim à consciência das hostis reacções defensivas que a simples menção desses factos provoca, sobretudo nos praticantes de Karate competitivo, e aos acesos conflitos verbais que se seguem e que, não raramente, induzem um maior afastamento entre os membros da família Shoto.
 Funakoshi Gichin O-Sensei[1] foi o grande pioneiro da divulgação do Karate-do fora da sua ilha Natal de Okinawa dedicando a integridade da sua vida à divulgação dessa arte e imprimindo-lhe um tremendo impulso inicial. Os seus seguidores constituíram, ao longo de quase todo o século vinte, a mais vasta família a nível mundial, contando hoje com milhões de praticantes, repartidos por centenas de milhar de dojo's. O-Sensei, porém, sempre se recusou a apelidar de Ryu (escola, estilo) a arte que ensinava. Ele pretendia que o Karate-do se assumisse como uma arte única, em que as múltiplas técnicas e métodos pedagógicos fossem entendidos sempre como riqueza e nunca como fonte de divisão.
 Em homenagem ao espírito unificador de Funakoshi O-Sensei desejável seria que os seus sucessores mais directos soubessem dar – noblesse oblige – um forte exemplo de coesão e espírito de grupo. Todavia, nas quatro décadas que mediaram entre a sua morte e o dealbar do século XXI, a hostilidade tem sido regra em vez de excepção.
 E, se excepção houve, então a Shotokai tem sido essa excepção. Recusando o mediatismo e a adesão às modas passageiras (tais como a competição como forma de motivação dos mais jovens, ou a inflação dos dan’s como forma de promoção de ambições pessoais) a Shotokai tem fugido de tal modo das luzes da ribalta que chega a pecar por excesso de humildade.
 Dito de outra forma, mais simples e directa: os membros da Shotokai hesitam em revelar a crueza simples e incómoda dos factos, para não provocar hostilidade.
 Se me permitem uma analogia final, poderíamos compará-la à verdade sobre o consumo excessivo de açúcar e dos seus malefícios sobre a saúde. Apesar de se tratar de uma verdade bem estabelecida e documentada, quantos de nós estamos predispostos a proclamá-la, ou mais ainda, a praticar uma redução do consumo, quando a televisão, as rádios, as revistas e os jornais nos convidam, explícita ou subliminarmente, a fazê-lo?
 Pelo nosso lado optámos por responder com franqueza às perguntas colocadas, adoptando tanto quanto possível a posição de um dos mais fervorosos militantes da não-violência neste século, a qual serviu de lema a este artigo. Afinal, o combate contra a “verdade” estabelecida, quando esta é falsa, não é menos duro que o combate contra a maldade institucionalizada.

Porque se associa o termo Shotokan ao Karate, dito, competitivo?



Shoto era o pseudónimo que Funakoshi Gichin O-Sensei usava para assinar os seus poemas.
Amante das coisas simples e naturais, maravilhava-se, na sua juventude, com o ondular dos pinheiros batidos pelo vento marítimo nas vertentes dos montes onde se erguia o castelo de Shuri. Foi essa imagem da sua ilha natal de Okinawa que lhe inspirou o pseudónimo Shoto, o qual pode ser traduzido literalmente como "o pinheiro e o mar” e mais poeticamente como o "ondular dos pinheiros".

Vejamos agora como surgiu, e porque foi apenso, o sufixo Kan.
Em 1935 os alunos mais antigos de Funakoshi O-Sensei criaram uma fundação em honra do seu Mestre a qual tinha como primeiro objectivo reunir fundos para a construção de um dojo.


Em 1938 no dia em que, pela primeira vez depois das obras de construção
 estarem completamente prontas, o Mestre franqueou o portão de entrada,
 virou-se para a direita para contemplar o belíssimo dojo e deparou-se
com uma inscrição escrita em caracteres brancos numa placa colocada
sobre o alpendre  de entrada - Shotokan


Essa expressão pode ser traduzida de uma forma simples por “Casa Shoto”, mas é provável que o sentir dos alunos na altura exigisse uma tradução mais formal – “o Paço de Shoto”.
Na sua localização original, o Shotokan situava-se no bairro de Toshima, em Tóquio, um pouco a Norte da célebre Universidade de Waseda. Tendo sido o primeiro dojo a ser erigido para a prática do Karate no Japão e pertencendo ao homem que 16 anos antes, em 1922, introduzira a sua prática na ilha central do Japão, compreende-se que se tenha tornado praticamente um local de culto para todos os karateca’s dessa época e das gerações seguintes.



Progressivamente, e por mera associação de ideias, os mestres primeiro, depois os alunos, passaram a ser conhecidos como os homens do Shotokan e o comité originalmente criado em 1935 para a recolha de fundos para a construção do dojo, que geriu depois a construção da obra, iniciada em 1936 e que, em Julho de 1939, promoveu a sua inauguração formal perante as mais altas individualidades da época, passou a ser conhecido por Shotokai – expressão que pode ser traduzida simplesmente por “Associação (de amigos) de Shoto” ou, de modo mais formal, por “Fundação Funakoshi”[2]. Esta associação era composta pelos alunos mais antigos de Funakoshi O-Sensei – com destaque para o seu terceiro filho Funakoshi Yoshitaka, Saigo Kichinosuke, Obata Isao, Egami Shigeru e Hironishi Genshin.
No decorrer da leitura das respostas às questões seguintes compreender-se-á porque se passou a associar o termo Shotokan a uma das formas de Karate competitivo e Shotokai à outra forma de Karate que se aproxima muito mais da filosofia e prática do Budo.

De onde partiu esta distinção? É posterior à morte de Funakoshi Sensei?

Vimos, acima que, na origem, as palavras “Shotokan” e “Shotokai” eram praticamente sinónimas, referindo-se uma ao local e outra à organização. De facto, a distinção entre os termos Shotokai e Shotokan aconteceu após a morte de Funakoshi O-Sensei.
Vejamos então como começou a germinar em determinada altura no seio do Karate-do de Funakoshi O-Sensei uma corrente competitiva e porque acabou esta corrente por se autonomizar posteriormente, tornando-se muito popular a nível mundial com a designação de Shotokan.


No dia 10 de Março de 1945, ocorreu o mais intenso bombardeamento de Tóquio pelas tropas aliadas. O Shotokan e a residência de Funakoshi O-Sensei foram completamente destruídos. Poucos meses depois, em 24 de Novembro de 1945 realizava-se o funeral de Yoshitaka Funakoshi Sensei: com apenas 39 anos de idade, que acabaria por sucumbir não só à doença respiratória que há muitos anos o perseguia mas, também, à tremenda dor que a destruição da obra de seu pai lhe provocara.
Desde 1934 [3] que Yoshitaka Funakoshi Sensei vinha desenvolvendo, um trabalho verdadeiramente excepcional no domínio do desenvolvimento da arte que o seu pai lhe ensinara. O jovem Gigo [4], consciente de que a tuberculose não lhe permitiria uma vida longa, empenhara-se de alma e coração no desenvolvimento da arte que aprendera de seu pai:



  • No Kihon (fundamentos ou técnica de base) não só transformou todas as posições originais, baixando o centro de gravidade e aumentando a fluidez e a amplitude, como introduziu novas posições de base[5], adoptando ainda pontapés desconhecidos (ou esquecidos) do Okinawa-te[6];
  • Nos Kata’s (formas de base) efectuou, encorajado por seu pai, visitas a vários Mestres de Okinawa recolhendo variantes de Katas conhecidos[7] e outros virtualmente desconhecidos.
  • Finalmente, na área do Kumite (combate) introduziu métodos novos de combate, que logo captaram o entusiasmo dos praticantes mais jovens, com destaque para o jiyu-ippon kumite e o jiyu-kumite[8].
Mais ou menos espontaneamente surgiram os chamados “kokangeiko”[9], treinos de intercâmbio universitário que começavam como sessões de jiyu-kumite nos ginásios de karate das universidades e que, muito frequentemente acabavam no hospital local.
O-Sensei e os seus mais directos seguidores – designados pelos estudantes por “old-boys” e conotados com o grupo Shotokai – criticavam e desencorajavam liminarmente estas manifestações, dado que os acidentes que provocavam, nisso todos estavam de acordo, em nada contribuíam para dignificar a imagem pública do Karate-do.
Tal estado de coisas levou O-Sensei Funakoshi a proibir, a partir de 1940, a prática de jiyu-kumite por verificar que, em parte devido ao fervor nacionalista e também pelo desejo de competição, essa prática induzia a um espírito de violência contrário à essência do Budo.
Todavia, os anos do pós-guerra vieram reacender no coração dos jovens universitários o espírito dos kokangeiko. A coragem demonstrada em toda a sua curta vida por waka-sensei[10] e a sua dramática morte[11], tinham-no tornado um modelo carismático que preenchia o “vazio de alma” de uma hoste de jovens japoneses que, no final dos seus cursos procuravam desesperadamente uma saída do desemprego e da falta de alternativas do pós-guerra.
Por outro lado, as forças de ocupação americanas começavam a aperceber-se das vantagens pacificadoras de uma simbiose com os seus ex-inimigos e começaram a organizar demonstrações e cursos de Karate-do, Judo e Aikido para a força-aérea americana[12]. Dessa cooperação, que teve o seu apogeu entre 1948 e 1953, nasceria não só um genuíno interesse nas artes marciais japonesas por parte dos militares americanos, mas também uma grande curiosidade e admiração pelas metodologias pedagógicas e teorias de treino desportivo ocidentais por parte de alguns karateca’s japoneses.
Nakayama Masatoshi Sensei[13] foi um dos karateca’s que melhor corporizou o espírito da época. Descendente de uma família de samurais, formara-se pela universidade de Takushoku[14], onde aprendera modernas técnicas de negócios e gestão comercial e completara os seus estudos na China.
Quando Funakoshi O-Sensei e os homens da Shotokai decidiram fundar em Maio de 1949 a “Nihon Karate Kyokai”(NKK)[15], chamando uma vez mais o prestigiado Saigo Kichinosuke para a presidência da organização, numa derradeira tentativa para reunir o Karate sob a égide de uma única entidade, Nakayama Sensei foi um dos homens escolhidos para a organização operacional da Associação, juntamente com Kimio Itoh Sensei e Nishiyama Hidetaka Sensei.
As perspectivas próprias de desenvolvimento do Karate por parte destes líderes levaram-nos a investigar a possibilidade de abrir a prática do Karate ao grande público, como um produto de grande consumo. Em 1955 a NKK decidiu abrir o primeiro dojo com uma perspectiva claramente “comercial”[16] numa sala do edifício do Centro de Cinema de Kataoka, em Tóquio. Em Agosto de 1956 completara um conjunto de regras de competição destinadas a permitir a competição desportiva de Karate, sem por em causa a integridade física dos competidores.
À medida que os Dojo’s afectos à organização se expandiam junto do grande público, o nome oficial da NKK ficava associado aos homens do Shotokan.
As personalidades que originalmente tinham criado o comité fundador do Dojo Shotokan e que foram também os fundadores da NKK, cedo deixaram de se rever nessa organização e começaram a tecer profundas críticas internas, acerca do seu funcionamento e filosofia que consideravam contrários aos do verdadeiro Budo.
Muitos deles decidiram desde logo abandonar a NKK. Assim, num primeiro momento em 1950, por iniciativa de Isao Obata, é fundada a “Liga Japonesa de Karate Universitário” que recusa a perpectiva desportiva e comercial do Karate. Posteriormente, em 1956, tendo como presidente o próprio Funakoshi O-Sensei formaliza-se a organização que espiritualmente existia desde há 30 anos, a “Nihon Karate-do Shotokai”.
A 26 de Abril de 1957 morre Funakoshi Gichin O-Sensei.
A família decide que a organização do funeral ficará a cargo da Nihon Karate-do Shotokai. A Nihon Karate Kyokai, por seu lado, uma vez que não lhe foi atribuída a organização do funeral do mestre recusa-se a participar nas cerimónias fúnebres.

Funakoshi O-Sensei era um entusiasta da competição?

A resposta formal e directa a esta pergunta foi já dada por dois homens que embora partilhassem um sonho comum – o desenvolvimento da prática do Karate a nível mundial – possuíam pontos de vista diferentes quanto ao método a utilizar.


Na introdução à segunda edição do seu mais famoso livro “Karate-do Kyohan”, em 13 de Outubro de 1956, Funakoshi Gichin O-Sensei escreveu:“(...) Em resultado da desordem social que surgiu no final da Segunda Guerra Mundial, o mundo do karate dispersou-se, tal como muitas outras coisas. Aparte o declínio do nível técnico desses tempos, não posso negar que houve momentos em que tomei dolorosamente consciência do quase irreconhecível estado de espírito a que se chegou, face aquele que existia nos tempos em que eu introduzi pela primeira vez e comecei a ensinar karate. Embora se possa argumentar que tais mudanças não são mais que o resultado natural da expansão do Karate-do, não é óbvio que se possa contemplar tal resultado com regozijo em vez de apreensão.




É, pois, com um sentimento misto de alegria e remorso que eu tenho observado e tentado providenciar uma melhor direcção para o curso do mundo do karate, e sinto dificuldade em calcular qual será a influência que eu ainda possa ter perante tamanha força de corrente. (...)”
 Numa entrevista dada em 1982 Nakayama Masatoshi Sensei, que após a saída de Saigo Kichinosuke Sensei da NKK assumiu a presidência daquela organização até à sua morte, afirmou:
“(...) Sabe, antes da morte de Mestre Funakoshi eu comecei a investigar no sentido de desenvolver torneios, ou karate desportivo. Mas quando eu pedi conselho a Funakoshi Sensei ele recusou-se a comentar. Ele estava preocupado, sabe, que os torneios se tornassem demasiado populares e que, então, os estudantes começassem a afastar-se dos princípios básicos e que praticassem unicamente competição. (...)”

Será que podemos associar o Karate Shotokai à denominação tradicional? Nesse caso, onde se insere o chamado Karate Shotokan Tradicional?


Para que cada um possa tirar as suas próprias conclusões apontemos alguns factos:
  • a Shotokai foi criada em 1935 pelos alunos mais antigos e prestigiados de Funakoshi O-Sensei para a construção do Dojo Shotokan;
  • em 1956, após a publicação das regras de competição pela NKK, Gichin Funakoshi e esses mesmos alunos formalizam, notarialmente, a Nihon Karate-do Shotokai, com vista à defesa dos valores essenciais do Karate-do (Karate como Budo);
  • quando do funeral de Gichin Funakoshi O-Sensei, a família Funakoshi atribuiu à Nihon Karate-do Shotokai a responsabilidade da organização das cerimónias fúnebres;
  • em 1998 tivemos a honra de participar, em Tóquio, nas cerimónias do 130º aniversário do nascimento de Gichin Funakoshi O-Sensei, as quais coincidiram com as cerimónias do 60º aniversário do Dojo Shotokan; essas cerimónias foram, obviamente, organizadas pela Nihon Karate-do Shotokai;
  • a Nihon Karate-do Shotokai é a proprietária do Dojo Shotokan, posteriormente reconstruído em Shibaura, Tóquio;
  • a utilização do nome “Shotokan” só pode ser oficialmente concedida pela Nihon Karate-do Shotokai (embora a prática demonstre que, pelo mundo fora, esse nome passou a ser usado indiscriminadamente por uma série de associações e federações, nacionais e internacionais);
Para respondermos agora à segunda parte da pergunta: “onde se insere o chamado Karate Shotokan Tradicional?” há que reflectir um pouco na natureza da Nihon Karate-do Shotokai. Ao contrário do que muita gente supõe, esta organização não é um estilo de karate, um “ryu”, como o Wado-ryu ou o Shito-ryu. É, isso sim, uma organização que defende o Karate-do como um todo, unificadamente, como um caminho de vida, tal como o fundador dessa organização sempre defendeu. Essa organização pretende que o Karate seja visto, unificadamente, como qualquer uma das restantes artes do Budo.
Nesse sentido, a forma de prática mais antiga, com ataques e defesas mais “curtas” e posições mais “altas”, incidindo mais na prática dos Kata, na tradição mais directa do Okinawa-te, é ainda praticada hoje por alguns membros da Nihon Karate-do Shotokai, geralmente com idade mais avançada. A forma mais “ampla” e uma maior variedade de pontapés e tipos de Kumite é praticada hoje também por muitos membros. E a forma “fluida” e “baixa” com uma componente elevada de “nage” e “ukemi” (projecções e quedas) é também praticada no seio da Nihon Karate-do Shotokai.
Algumas associações que são membros da Nihon Karate-do Shotokai praticam, ocasionalmente, algumas formas de competição. Mas a regra geral não é essa. A grande maioria considera a competição como um método mais prejudicial do que benéfico para a evolução do praticante de Karate-do visto como um Budo.
Existem actualmente vários estilos e múltiplas escolas de Iaido e Kyudo. Todas elas são encaradas como Budo. E existe também a esgrima e o tiro ao arco de competição e essas actividades não são consideradas Budo.
Quando Nakayama Sensei começou a defender o Karate desportivo, porém, Mestre Funakoshi não o expulsou, preferiu, como vimos acima, responder com um silêncio revelador. Do mesmo modo, a Nihon Karate-do Shotokai não expulsa as poucas pessoas que, dentro do Shotokai estão convencidas de que a competição é um caminho válido.
Estamos agora em condições de responder à segunda parte da pergunta:
- A forma de prática do Karate Shotokan dito “tradicional”, seja qual for o recuo no tempo a que essa palavra se refere, é uma forma de prática bem acolhida no seio da Nihon Karate-do Shotokai, desde que compreenda uma prática séria de Karate-do, visto como uma das formas de Budo.
- As restantes formas de prática (ditas “tradicionais” ou não) que defendam uma forma de prática com ênfase na competição desportiva e nos aspectos comerciais do Karate são claramente recusadas no seio da Nihon Karate-do Shotokai.

Logo a seguir à morte de Funakoshi Sensei como se deu a fragmentação dos seus alunos, entre os que desenvolveram a competição e os que preservaram o treino como parece que Funakoshi Sensei o deixou? Quem foram os responsáveis?

Embora já deva ter ficado claro acima, reforçamos aqui essa ideia, mais uma vez:
- após a morte de Funakoshi O-Sensei a Nihon Karate Kyokai (Japan Karate Association) passou a promover a competição; em Junho de 1957, escassos dois meses após o funeral, essa organização realiza, no maior espaço coberto japonês para a prática desportiva - o Ginásio Metropolitano de Tóquio - o primeiro All Japan Karate-do Championship Tournament, trata-se da primeira competição pública de Karate no Japão;
- a Nihon Karate-do Shotokai continuou a promover o “keiko” (treino/prática) conforme era desejo de O-Sensei, ou seja como uma das disciplinas do Budo, não pondo ênfase na competição, mas sim na cooperação e desenvolvimento mútuo dos praticantes.

Onde encaixa Egami Sensei nisto, ou seja, ele é responsável por alterações na arte, mesmo que fosse em continuidade com as ideias de Funakoshi O-Sensei?

Tsutomu Ohshima[17], no preâmbulo do Livro de Egami Sensei “Karate-do, Beyond Technique”, escreve:
“O sucessor de Mestre Gichin Funakoshi no mundo do Karate-do é o Senhor Shigeru Egami. Sinto que nós, os da geração seguinte, somos muito afortunados por ter este homem.”
 Por seu lado Kenji Tokitsu[18] no seu livro “Histoire du Karate-do” escreve:
“(...) as duas noções, budo e heiho, estão profundamente enraizadas na cultura tradicional dos guerreiros japoneses; [porém] elas não fazem parte da cultura de Okinawa, com uma formação sócio-cultural bastante diferente da cultura Japonesa. Neste sentido podemos considerar que o karate de Shigeru Egami é uma criação pela fusão do karate de Okinawa e da concepção de prática [presente] nas artes marciais japonesas. O karate introduzido de Okinawa nas ilhas centrais do Japão no decurso dos anos 20, desenvolve-se progressivamente. É necessário conceber que, no decurso da difusão do karate, este evoluiu no Japão fundindo-se com estas duas ideias principais das artes marciais tradicionais japonesas. O karate de S. Egami é um exemplo.”
E, alguns parágrafos mais adiante:
“A corrente Shotokai evita a competição do tipo J.K.A., respeitando a ideia de G. Funakoshi segundo a qual, situando-se o combate de Karate entre a vida e a morte, não podemos treinar seriamente senão através das formas de combate convencionais, através das quais cada um se esforça por ultrapassar os seus limites.”

De facto o Karate de Shigeru Egami Sensei, o sucessor de Funakoshi O-Sensei no mundo do Karate-do, introduz evoluções na arte indo, tal como pretendia o seu Mestre Gichin Funakoshi, ao encontro do espírito e prática do Budo.
Admitindo que a vida é luta, duas perspectivas se podem colocar. Podemos pensar nela como uma luta pelo pódio onde é preciso subir, custe o que custar, vencendo para isso os nossos semelhantes, vistos como competidores. Ou podemos vê-la como uma luta pela Vida que se pode percorrer em harmonia e respeito pelos outros, parando o conflito (budo) e sabendo usar a nossa força e a do nosso semelhante com benefícios mútuos.
No seu caminho de aproximação ao Budo, Egami Sensei foi profundamente influenciado por Inoue Noriaki Sensei, sobrinho e discípulo de Ueshiba Morihei O-Sensei, o fundador do Aikido. Mas esse assunto é demasiado vasto e importante para ser tratado neste artigo. Se houver interesse talvez possamos vir a abordá-lo num trabalho específico, posteriormente.


Bibliografia:
 1958, Funakoshi, Gichin: “Karate-do Kyohan”, Ward Lock
1979, Tokitsu, Kenji: “Histoire du Karaté-do”, Éditions SEM
1979, Rau, Heimo: “Gandhi”, Círculo de Leitores
1993, Hassel, Randal: G., “Shotokan Karate, It’s History & Evolution”, Focus
1997, Layton, Clive: “Karate Master – The Life and Times of Mitsusuke Harada”, Bushido Publications

Notas:
[1] Optou-se neste texto por manter a tradição que, como se sabe, não é unicamente japonesa, de apresentação dos nomes de família antes dos nomes próprios.
[2] O termo japonês "Kai” pode ser traduzido literalmente como Associação (criada) para o estudo de uma determinada área de actividade, neste caso o Karate-do.
[3] Data da morte de Shimoda Takeshi, o braço direito de O-Sensei a nível técnico, na primeira década de implantação do Okinawa-te no Japão. A promoção de Funakoshi Yoshitaka para assistente pessoal do Mestre levou à saída de um outro grande expoente técnico da altura Ohtsuka Hironori Sensei, que viria a criar o Wado-ryu.
[4] Gigo e Yoshitaka são formas diferentes de pronunciar os Kanji que constituíam o nome próprio do filho de Funakoshi Gichin O-Sensei.
[5] Dentre as posições introduzidas destaca-se o Fudo-dachi, considerada mais adequada para o combate.
[6] Nomeadamente os seguintes, hoje clássicos: Yoko-geri, Mawashi-geri e Ushiro-geri.
[7] É o caso das variantes “curtas” (sho) dos katas Bassai e Kanku.
[8] Estas formas, introduzidas respectivamente em 1934 e 1935, podem ser traduzidas como “combate semi-livre” e “combate livre”.
[9] A organização dos primeiros kokangeiko remonta a 1936. De facto, em Novembro desse ano foi criada uma organização cujo nome pode ser traduzido como “União Japonesa de Karate Universitário” que se destinava a organizar tais “encontros”.
[10] Os alunos referiam-se geralmente desta forma – “jovem professor” – a Funakoshi Yoshitaka para o distinguir de seu pai.
[11] Os mestres mais próximos de Funakoshi Yoshitaka relatam que faleceu por gangrena pulmonar, num horrível sofrimento devido às precárias condições hospitalares que se viviam nos hospitais de Tóquio nos meses que sucederam ao final da Guerra.
[12] Nas demonstrações organizadas pela força aérea americana nos EUA destacam-se os nomes de Nakayama Masatoshi Sensei, Nishiyama Hidetaka Sensei, Kamata Toshio Sensei, Obata Isao Sensei, Oshima Tsutomu Sensei e o próprio Funakoshi Gichin O-Sensei. Destacam-se ainda como representantes de outras artes marciais nestas demonstrações Tomiki Kenji Sensei, do Aikido, e Kotani Sumiyaki Sensei do Judo.
[13] Nakayama Masatoshi Sensei começou a treinar com Funakoshi O-Sensei em 1932, interrompendo a sua prática de 1937 a 1946 para uma estadia na China durante a qual estudou várias artes marciais chinesas. Regressou ao Japão em 1946.
[14] O nome Takushoku pode ser traduzido como “Instituto de Cultivo e Colonização”. Tratava-se de uma escola que não pertencia ao ranking das “Três Grandes” universidades japonesas – Keio, Waseda e Hoei, geralmente reservadas para uma certa elite social.
[15] A NKK acabou por se tornar mundialmente conhecida pela tradução inglesa “Japan Karate Association”.
[16] Até então os discípulos de O-Sensei sempre tinham ensinado numa perspectiva não-lucrativa.
[17] Ohshima Tsutomu Sensei tem sido, desde 1956, um dos pioneiros e principais divulgadores do Karate-do na América do Norte. A organização de que é líder – Karate Shotokan of América – é das poucas que se podem gabar de possuir a autorização da Nihon Karate-do Shotokai para a utilização do termo “Shotokan” no seu nome.
[18] Tokitsu Kenji Sensei, originalmente ligado ao Karate de competição, viria a abandonar essa linha posteriormente, aproximando-se da prática do Karate como Budo. Tokitsu Sensei, formado em Língua e Civilização Japonesa pela Universidade Hitotsubashi de Tóquio e doutorado em Sociologia pela Universidade de Paris, é unanimemente considerado, hoje, uma das maiores autoridades em História do Karate.


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