No trânsito de qualquer cidade, em qualquer estrada, sempre há a figura que assusta, causa certa revolta e é o exemplo negativo do que se pode fazer com um carro. Em inglês a expressão road rage (“fúria no trânsito”, em tradução livre) exemplifica bem a situação.
O que acontece com esses motoristas, na verdade, vai além do volante. Estar dentro de um carro somente amplifica um comportamento que já é explosivo e violento. “As pessoas que são violentas no trânsito só deixam transparecer um comportamento que já existe em outras situações sociais”, explica Mariangela Savoia, psicóloga e membro do comitê científico da Associação dos Portadores de Transtorno de Ansiedade (APORTA).
Esse tipo de comportamento pode ser reflexo de um transtorno de impulso, fruto de uma autoestima muito baixa ou então ligado a uma condição de estresse muito forte e onde o anonimato (estar atrás de um vidro escuro, por exemplo) proporciona um estravazamento desmedido.
“Dentro de um carro, no meio do trânsito, a pessoa pode sentir que pode expressar toda sua raiva tendo em vista que está anônima e não pode ser reconhecida pelos que estão à sua volta. É a condição ideal para ela revelar todas suas frustrações, botar pra fora um sentimento que é dela e com a qual não está conseguindo lidar”, diz Mariangela.
“No carro esses indivíduos podem mostrar quem realmente são”, analisa Cláudia Ballestero, psicóloga especializada em tratar pacientes com problemas com o trânsito e presidente da APORTA. “Em casa ou outros ambientes eles podem se controlar, muitas vezes, mas ao se ‘vestir de um carro’, ao se mascarar atrás de volante, eles deixam de ter um laço afetivo com as pessoas ao redor e podem ser o que são: violentos, agressivos, frustrados”, afirma Cláudia.
Impulsividade, agressividade e falta de empatia
No geral, pontua Mariângela, esses motoristas mais impulsivos e explosivos podem ser bastante preconceituosos, com uma visão dicotômica do mundo, onde há pessoas melhores e pessoas piores. Isso os torna intolerantes às diferenças, não conseguem criar uma empatia com o outro motorista, com os pedestres e com as pessoas em geral.
“Em uma outra categoria estão aquelas com problemas de autoestima, que acham que o mundo está contra eles. Se alguém corta sua frente no trânsito, para eles é claro que a pessoa o está desrespeitando e querem reagir de forma violenta”, diz Mariângela.
“O trânsito é um ambiente rápido, onde as situações parecem pontuais. Esses motoristas problemáticos querem resolver na hora, ir à forra, e respondem com outra ‘cortada’, dão sinal de luz, xingam, qualquer ação que eles considerem ofensivas ao outro e que possa compensar a injustiça que ele acha que sofreu”, completa Cláudia.
Nessas situações os “furiosos do trânsito” perdem a capacidade de avaliar as consequências, causando acidentes, podendo ferir outras pessoas ou mesmo se ferir. Em algumas situações o outro motorista pode ser outro “furioso” e aí o problema pode ter desfechos ainda mais violentos.
“Um problema que começa com uma suposta fechada, ou um mal entendido, pode culminar em morte. Essas pessoas normalmente passam por uma situação de ‘crescente’, ou seja, a provocação gera uma reação exagerada, uma outra ação violenta e a reação final, caso um dos dois esteja armado, pode culminar em alguém baleado, por um motivo fútil”, diz Cláudia.
Para lidar com essas situações a primeira dica de ouro é: não aceite provocação. “Barbeiragem” acontece. Siga em frente. “Esses motoristas têm que perceber que o problema é a reação desmedida por parte deles mesmos. O que acontece no trânsito não é algo pessoal. As pessoas, em seu estado normal, não cometem uma ‘barbeiragem’ porque querem prejudicar você em especial. E se estiverem alteradas não vale a pena alimentar uma situação que pode se tornar violenta”, explica Mariângela.
E caso você – ou alguém próximo – não consiga deixar problemas como esse de lado, talvez seja hora de procurar um profissional e admitir que o problema vai além do volante. “Além da terapia – que vai ajudar a lidar com os problemas de ansiedade, impulsividade e autoestima – é interessante que essas pessoas participem de um grupo de apoio, onde possam desenvolver esse sentimento de empatia com o ‘outro’, entender que as outras pessoas estão em suas dinâmicas, que a vida não é um eterno embate, nem no trânsito, nem em qualquer lugar”, pontua Cláudia.
Algumas dicas das especialistas podem ajudar a diminuir a sensação de raiva ao volante e talvez contribuir para que um sentimento mais intenso se desenvolva:
• Não aceite provocação.
Essa é a regra de ouro, não custa lembrar.
• Se você é homem, leia o primeiro item mais algumas vezes.
As especialistas apontam: os homens são os que mais sofrem de “fúria no trânsito”. “É cultural, a virilidade para muitos homens está ligado ao carro e ao modo como eles dirigem”, explica Cláudia.
• Não leve a falta de habilidade do outro motorista pro lado pessoal.
As pessoas não estão tentando prejudicar você, em especial. Cada um está em seu ritmo e seus próprios problemas: o mundo não conspira contra você.
• Se está nervoso e acha que esse sentimento pode ficar cada vez pior, pare um pouco.
Tome um sorvete no posto mais próximo, vá ao banheiro, mas não deixe o sentimento acumular e se transformar em algo incontrolável.
• Você já está parado, mas em um engarrafamento, e ainda quase bateram no seu carro? Conte até 20.
Parece piada, mas não é. Contar em voz alta, em ritmo cadenciado pode ajudar a diminuir a sensação de raiva e ansiedade que está crescendo dentro de você.
• Nada disso funcionou. Reflita: é o trânsito ou é você?
Talvez seja hora de procurar ajuda profissional. Além de se estressar menos no trânsito, você pode acabar resolvendo diversos outros problemas.
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por Enio Rodrigo
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