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segunda-feira, 28 de março de 2011

MÃES HUMILHADAS - Muito mais que as dores do parto

Marcos Zanutto
Uma em cada quatro mulheres ouvidas por pesquisa afirma ter sido vítima de violências no nascimento dos filhos



No ano passado, quando a tradutora Anita Ventura Frazillio de Souza, de Londrina, decidiu que sua filha nasceria de parto natural, enfrentou várias barreiras. A primeira delas veio da própria médica que a acompanhava: logo de cara, ao saber da intenção de sua paciente, ela avisou que não fazia este tipo de parto, apenas cesárea e, mesmo assim, com dia e hora marcados. A futura mamãe só achou o médico ''certo'' no oitavo mês de gestação, mas ainda teria que enfrentar o despreparo da equipe de enfermagem do hospital antes de ter sua pequena Sarah nos braços. 

Assim como Anita, milhares de outras brasileiras sofrem mais que dores durante o trabalho de parto. Pesquisa da Fundação Perseu Abramo revelou que 25% das mulheres entrevistadas foram submetidas a algum tipo de violência durante o nascimento dos filhos, como exame de toque de forma dolorosa e humilhações verbais. Entre os despropósitos mais ouvidos estão as frases ''Não chora que ano que vem você está aqui de novo'' e ''Na hora de fazer você não chorou, não chamou a mamãe, por que está chorando agora?''. 

A maioria das mulheres entrevistadas (68%) teve filhos na rede pública. Entre as que afirmaram ter sofrido alguma violência no atendimento ao parto, 10% disseram ter sido submetidas a exame de toque doloroso. A mesma porcentagem informou que o serviço de enfermagem negou ou deixou de oferecer algum tipo de alívio para a dor. Já 9% das mulheres informaram que alguém gritou com elas no momento do parto e que não foram informadas sobre os procedimentos que estavam sendo realizados. 

No caso de Anita, que teve o parto realizado por meio de plano de saúde, uma série de fatores poderia ter transformado a experiência do nascimento da primeira filha em algo traumatizante. E só não foi porque a tradutora se informou e se preparou durante a gestação. ''Percebi que teria que lutar para conseguir o parto normal.'' 

Ela conta que a bolsa rompeu num final de tarde e as contrações não demoraram a aparecer. ''Quando cheguei ao hospital, as enfermeiras logo de cara quiseram me preparar para a cesárea. Quando falei da intenção de fazer parto normal, me olhavam com espanto.'' 

Anita relata uma das situações que expuseram a falta de preparo da equipe para acompanhar o nascimento natural do bebê: ''Houve um momento em que eu estava em plena contração e tinha duas atendentes ao meu lado, uma tentando encontrar uma veia para aplicar o soro e outra perguntando meu endereço para preencher a ficha de internamento. Resultado: fiquei supernervosa, mal conseguia lembrar o endereço de casa e ainda ganhei um hematoma no braço.'' 

Logo depois, Anita, por conta própria, encontrou uma posição mais confortável para enfrentar as contrações, mas foi forçada por uma das atendentes a se deitar, mesmo a contragosto. ''Não esqueço daquela voz me dizendo: 'Deita, queridinha', e eu sabendo que assim o desconforto ia ser bem maior. Elas não se dão nem ao trabalho de chamar a gente pelo nome''. 

Para a tradutora, ficou a sensação de que a equipe de enfermagem do hospital - que atende somente pela rede particular e convênios - estava menos preparada para trabalhar em um parto que não fosse uma cesariana do que atendê-la após o nascimento de Sarah. Isso porque, depois do parto, tudo foi mais tranquilo. ''Elas incentivaram bastante o aleitamento'', reconhece.
Silvana Leão 

Reportagem Local

Cesáreas chegam a 80% dos partos
Olga Leiria
Enquanto a Maternidade Municipal Lucilla Ballalai, de Londrina, manteve nos últimos anos a média de 72% de partos naturais, nos maiores hospitais da cidade que atendem somente por planos de saúde a realidade é bem diferente. As cesarianas, muitas delas agendadas com antecedência, são maioria. 

No Materdei, que integra a rede da Irmandade Santa Casa de Londrina (Iscal), entre os anos de 2006 e 2010 foram realizados 2.068 partos. Destes, 1.485 (72%) foram por meio de cesárea. Os partos naturais, neste período, ficaram em 583 (28%). O ano em que houve a maior porcentagem de cesarianas foi 2010: 217 cirurgias (80%) para 54 partos naturais (20%). 

No Hospital Universitário (HU) de Londrina, no mesmo período, foram realizados 1.493 partos naturais (33,6%) e 2.939 cesáreas (66,3%), totalizando 4.432. A instituição é especializada em atendimento a gestantes de alto risco e realiza apenas partos referenciados. 

Já no Hospital Evangélico (HE), instituição que atende convênios e SUS (partos de alto risco), foram realizados, de 2006 a 2010, 6.542 partos. Destes, 5.632 (86%) foram cesáreas e 910 (14%), partos normais. 

A quantidade de cesáreas realizadas hoje no País e a aparente ''praticidade'' deste tipo de parto está provocando mudanças culturais entre as brasileiras, que passaram a enxergar a cesariana como regra, e não exceção (ela deveria ser realizada apenas em casos específicos, para salvar vidas). Além disso, os mitos em torno do parto normal assustam muitas parturientes. 

Na última quarta-feira, a esteticista Josimara Lanholas Braga aguardava para ser examinada na Maternidade Municipal de Londrina. Com 33 semanas de gestação, ela estava certa de que, como o seu primeiro filho nasceu por meio de cesárea, há sete anos, o parto normal estaria descartado dessa vez. Josimara surpreendeu-se ao ouvir da coordenadora de enfermagem Regina Adário que, depois de tanto tempo, não há empecilho para o nascimento por vias naturais. ''Da primeira vez eu queria muito parto natural, mas não tive dilatação suficiente. Achei que dessa vez não adiantaria tentar, mas se tiver possibilidade, quem sabe?'', disse Josimara, já começando a aceitar a ideia. 

Segundo a coordenadora de enfermagem da Maternidade, o parto normal após a cesárea só não é recomendado em um período inferior a dois anos, pelo risco de lesão no local da incisão. (S.L.)
Situações diversas tornam inviáveis partos naturais
Para a secretária executiva adjunta da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), Vera Lúcia da Fonseca, o que mais pesa no grande número de cesáreas realizadas pelos planos é a remuneração dos médicos. ''O valor pago ao obstetra pela cesárea é o mesmo pago pelo parto natural, que às vezes exige dedicação de até 12 horas do profissional. Temos estudado meios de alterar esta forma de trabalho, para que o médico sinta-se mais estimulado a realizar partos normais'', informa. 

Outro ponto que conspira contra os partos naturais, segundo a médica, é o baixo número de leitos disponíveis nos hospitais conveniados aos planos de saúde. ''Principalmente nos grandes centros, há dificuldade de encontrar leito de urgência. Os médicos ficam com receio de arriscar e, caso necessite, não haver vaga para a gestante. Por isso, para não correr o risco, muitos optam pelo parto eletivo (agendado).'' 

Segundo a médica, na periferia das grandes cidades e nos pequenos centros o problema é outro: não há anestesista disponível 24 horas por dia, o que aumenta muito os riscos, em uma imprevisibilidade. ''Há portanto, uma série de fatores que colaboram para aumentar o número de cesáreas no País. O importante é melhorar a assistência obstétrica na saúde suplementar, e isto inclui desde um bom pré-natal até a garantia de leito disponível na hora do parto'', argumenta Vera Lúcia. (S.L.)
Mães precisam de informações
Na Maternidade Municipal Lucilla Ballalai de Londrina, onde a preferência é sempre pelo parto natural, não há treinamento específico dos funcionários para evitar comportamentos de violência contra a mulher, mas o assunto é abordado em reuniões sempre que este tipo de caso é registrado na instituição. 

''Falamos aos funcionários que eles devem se colocar no lugar das mães. Muitas delas não têm informação e cabe ao profissional de saúde esclarecer sobre os procedimentos que estão sendo tomados. Percebemos que a população é carente de conhecimento'', argumenta Regina Adelaide Adário, coordenadora de enfermagem da Maternidade. (S.L.)
SUS versus planos de saúde
A média de 28% de cesárea da Maternidade de Londrina está dentro do limite admitido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). De acordo com o Ministério da Saúde, o Brasil tem mantido ao longo dos últimos dez anos a média de 30% de cesáreas pelo sistema público e 70% de partos normais. O SUS atende 80% dos partos realizados no país. Já entre os planos de saúde, o quadro é diferente: cerca de 84% dos partos são cesáreas, enquanto apenas 16% são naturais. 

O percentual de cesáreas preconizado pelo Ministério e pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é de 15%. Porém, levando-se em conta o histórico do País e com a meta de reduzir progressivamente esse índice, o Governo considera um limite de 30% de cesáreas na rede pública. Mas em 2009, último ano em que o levantamento foi feito no SUS, este limite foi ultrapassado, com mais de 50% dos partos feitos por meio de cesariana. 

O Programa Nacional de Humanização do Parto, criado em 2000, tenta reduzir os altos índices de cesáreas entre as brasileiras e promover o máximo de conforto à mulher. Segundo informações do Ministério, desde que o programa entrou em vigor os profissionais de saúde do SUS vêm sendo capacitados, difundindo a concepção de que o parto faz parte de um processo fisiológico da mulher, no qual ela é protagonista da ação e o médico deve ser um facilitador do processo. (S.L.)
Governo Federal lança programa de melhorias
Brasília - A presidenta Dilma Rousseff lança hoje, em Belo Horizonte, um programa para dar atendimento integral a gestantes e bebês. O objetivo do Rede Cegonha, que é uma promessa de campanha de Dilma, é combater práticas que acabam influenciando para as altas taxas de mortalidade materna e infantil. 

Os problemas identificados pelo Ministério da Saúde e que influenciaram na elaboração do programa vão desde o elevado número de gravidez indesejada, dificuldade de muitas mulheres de terem acesso aos exames de pré-natal de qualidade, práticas inadequadas de parto, além da costumeira peregrinação de gestantes, geralmente da periferia das grandes cidades, em busca de uma maternidade. O governo está preocupado também com a humanização do parto. 

Ao falar do programa, durante a campanha, Dilma procurou enfatizar mais a necessidade de uma gestão eficiente do Sistema Único de Saúde (SUS), que a construção de hospitais, aquisição de ambulâncias e outros recursos. O governo ainda não divulgou detalhes do programa, mas a ideia do governo com o Rede Cegonha segue esse princípio, ou seja, articular uma rede de atenção para todas as fases da maternidade. 

A estratégia do governo é implantar primeiramente o atendimento integral do Rede Cegonha em nove cidades brasileiras: Manaus, Recife, Distrito Federal, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Campinas, Curitiba, Porto Alegre e São Paulo. Dados preliminares de 2009 apontam para quase 300 mortes de mulheres nessas regiões metropolitanas ao ano, o que representa 13,38% do total de óbitos maternos ocorridos no país em 2009, que atingiu 1.724. 

No país, 25% dos óbitos infantis ocorrem no primeiro dia de vida. Os números apontam, não para falta de acesso ao pré-natal, mas para uma falta de qualidade no exame, problema que vem preocupando o governo. 

O Rede Cegonha foi inspirado no Cegonha Carioca, lançado pela Prefeitura do Rio de Janeiro no ano passado. O programa prevê a vinculação do pré-natal ao parto, com acompanhamento de cada fase da gestação. Para as mães assíduas aos exames de pré-natal, o programa oferece enxoval completo, ambulância na porta de casa e visita prévia para conhecer a maternidade onde será feito o parto. 

De acordo com a última Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS) finalizada em 2006, no Brasil, 46% das gestações não são planejadas. Essas gestações ocorrem em 98 mil adolescentes na faixa etária de 10 a 19 anos. Estima-se ainda que se realize no Brasil mais de um milhão de abortos por ano, a maior parte em condições inseguras.
Das Agências

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