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quinta-feira, 24 de março de 2011

JUIZADOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER, ÓRGÃOS DA JUSTIÇA ORDINÁRIA COM COMPETÊNCIA CÍVEL E CRIMINAL





Muito ao contrário do que se imagina, a Lei Ordinária Federal 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha, não é frívolo diploma que veio apenas a se somar às vetustas disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal, ambos dos idos de 1940.
Os artigos 14 e 15 da Lei Maria da Penha, sabedores dos verdadeiros anseios e objetivos fundamentais das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, preconizam, in litteris:
“Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para oprocesso, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.
(…)
Art. 15. É competente, por opção da ofendida, para os processos cíveisregidos por esta Lei, o Juizado: (...)”. (grifo nosso)
Pois bem. Como se vê, a salvífica Lei Maria da Penha, atenta à realidade das mulheres brasileiras, sabedora da pouca ou quase nenhuma contribuição que o Direito Penal pode dar no dia-a-dia do Juizado de Violência Doméstica, proclama que os direitos civis das mulheres devem, sim, também ser satisfeitos no âmbito deste mesmo Juizado, de competência híbrida.
Ou seja, o Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, criado pela Lei Maria da Penha, tem, igualmente, competência para processar, julgar e executar as causas cíveis relativas à pensão alimentícia, guarda de filhos e visitação, partilha de bens do acervo conjugal e discussão do passivo, divórcio, entre outras inúmeras e incendiárias questões referentes à dissolução do enlace (um dia) afetivo, aonde presente se faz o elemento violência doméstica e familiar.
Uma coisa singular deve ficar muito clara ao desacostumado ou leigo na praxe forense do Juizado de Violência Doméstica. É que a primeira coisa que uma mulher que comparece a esse juizado deseja, sinceramente, é a satisfação integral e efetiva de seus direitos de família – leia-se, ter ela e sua numerosa prole o que comer e onde ficar, um teto –. Após, uma declaração de próprio punho da autoridade pública que a atende para tentar justificar a falta ao trabalho, para não perder o salário de um dia de trabalho. Talvez pouca gente saiba, mas muitas preferem não ter o corte do ponto do dia do que comparecer ao juizado. Afinal, é preciso ter o que dar de comer aos filhos e a si mesma.
Pois bem. Ignorando esta triste realidade, pode-se dizer que a Lei Maria da Penha é uma lei que não pegou totalmente, apenas parcialmente, e justo naquilo que menos interessa à mulher. Assim, na parte que pegou, certamente essa será a causa de sua bancarrota. Todos os dias nos Juizados de Violência Doméstica maridos sobem ao cadafalso ou se apresentam ao pelotão de fuzilamento. Fóruns e Congressos sobre a Lei Maria da Penha são realizados sem se dizer uma única palavra sobre pensão ou guarda de filhos dentro do episódio de violência, sob os efusivos aplausos da imponente e estilosa turba – a mesma do coliseu romano de Vespasiano –.
Sobre os caminhos da verdade pelas próprias mãos da turba, sempre atual a antológica análise do Mestre Nelson Hungria, in verbis:
“Na sua incoerente ou variável condição, a turba é fermento de egoísmo ou eclusão de altruísmo, engendra delinqüentes ou plasma heróis ou mártires. Elaboram-se no seu regaço anjos e demônios, pelicanos e hienas, Cristos e Marats. Inconstante e arbitrária, exalta o Nazareno, para depois crucificá-lo; aplaude Bruto, e, em seguida, Marco Antônio. É capaz de todas as generosidades e renúncias, como de todas as torpezas e crueldades. Detém-se diante das lágrimas de Mademoiselle de Sombreuil e profana o cadáver de Madame de Lamble, ou bebe o sangue do general Laleu. Carrega em triunfo a um celerado que lhe sabe explorar a vaidade e despedaça, como esfaimada alcatéia de lobos, o inocente que lhe cai no desagrado” (Comentários ao Código Penal, Forense, 1958, Vol. I., Tomo I).
Quiçá isso se chame... política. Talvez tenha razão Tomás Eloy Martinez, grande escritor argentino, quando dizia que “a história é escrita pelo poder, a partir do poder, a serviço do poder. Romances servem para questioná-la”.
- “Dona Maria, pode-se levantar, a senhora já assinou?”
- “Sim! Mas e a questão da pensão, ele não vai ter que me pagar? E as crianças, vocês vão deixar com ele?!! Ele bebe todo dia!!!”
- “Não, Dona Maria, a senhora está aqui apenas para dizer se deseja representar contra o ex-marido da senhora, para apurarmos o que aconteceu, há três anos atrás, naquela noite de 13 de Agosto de 2008, às 23:31 horas. A senhora se lembra?”
- “Meu filho, eu perdi um dia todo de trabalho esperando aqui fora! E o negócio da pensão não é aqui não?!! Meus filhos já não têm o que comer, um está doente e os outros quatro eu não consegui vaga na creche. Tive que pedir emprestado o dinheiro da passagem a uma vizinha achando que tudo seria finalmente resolvido aqui hoje!”
Certa vez, ouvi que se descobrirem a cura da obesidade e da calvície a indústria famarcêutica vai à falência.
Acho que agora entendo porque o parágrafo único, do artigo 14, da Lei Maria da Penha, diz que “os atos processuais poderão realizar-se em horário noturno”. Talvez seja uma mensagem subliminar para nos recordarmos que foi nesse mesmo “horário noturno” que Caifás e seus sacerdotes conduziram o Cristo sozinho perante Pilatos.
O Nazareno tinha razão:
“Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, porque pagais o dízimo da hortelã, do funcho e do cominho e desprezais o mais importante da Lei: a justiça, a misericórdia e a fidelidade!”.

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