Bêbado que dirige com cuidado só comete infração
Por Luiz Flávio Gomes e Alice Bianchini
A preocupação do Supremo Tribunal Federal com a embriaguez ao volante é muito acertada. Em 2010 alcançamos o patamar de 40 mil mortes no trânsito. A impunidade é generalizada, a irresponsabilidade de beber e dirigir precisa de punição efetiva, mas tecnicamente a decisão do Supremo que admitiu o perigo abstrato no crime previsto no artigo 306 do CTB é equivocada.
Para o STF o simples fato de dirigir embriagado já bastaria para a configuração do crime do artigo 306 do CTB. Assim decidiu a 2ª Turma do referido tribunal. Confundiu-se o crime do artigo 306, que prevê a pena de dois a quatro anos de prisão, com a infração administrativa do artigo 165 do CTB, que sanciona o embriagado com multa, suspensão da habilitação, apreensão do veículo e pontuação na carteira de habilitação.
Uma primeira diferença entre eles é que o crime exige uma determinada taxa de alcoolemia (0,6 decigramas de álcool por litro de sangue). A segunda diferença é a seguinte: a infração administrativa só exige que o sujeito esteja embriagado; o crime exige embriaguez mais uma direção anormal, imprudente. O crime não exige dano e não é preciso que o motorista cause um acidente. Basta que ele coloque em perigo concreto a segurança viária. Não é preciso uma vítima concreta. Isso tecnicamente chama-se perigo concreto indeterminado. Se o sujeito dirige bêbado em ziguezague, se sobe uma calçada, se passa no sinal vermelho etc., coloca em perigo concreto a segurança no trânsito. É isso que caracteriza a essência do crime. Nada disso é necessário para a configuração da infração administrativa. Por que essa diferenciação? Porque o crime é punido com pena de prisão.
Dirigir bêbado é crime? Depende da forma como o bêbado dirigia. Se dirigia corretamente, sem colocar em risco concreto a segurança viária, pratica a infração administrativa do artigo 165. Se dirige de forma anormal, imprudente, pratica o crime do artigo 306. Não se fazendo essa diferenciação confunde-se a infração administrativa com o crime e é isso que foi feito pelo STF.
Luiz Flávio Gomes e Alice Bianchini são doutores em Direito Penal
Revista Consultor Jurídico, 5 de novembro de 2011
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