Dentro da classe guerreira okinawana, os Peichin, havia uma regra peculiar: passar os conhecimentos do Tode da família secretamente apenas para o primogênito. Esse costume, ou regra, era chamado Ishi-soden, e é a ele que Gichin Funakoshi e outros autores se referem quando falam sobre a passagem das técnicas do Karate primitivo de forma secreta. Alguns Peichin como Sanga Sakugawa e Sokon Matsumura estudaram artes marciais na China e as trouxeram para unir estes conhecimentos ao Te e assim formular o Tode. Não terão eles criado esta regra de transmissão individual? Se pensarmos que as verdadeiras gangues de ‘boxers’ nas quais muitas escolas de Wushu eram transformadas, não é de se admirar que o Ishi-soden tenha sido uma medida preventiva para que isso não acontecesse nos Ryukyu.
Praticava-se então, durante os dois séculos seguintes, três linhas de Tode, nominadas de acordo com a localidade onde foram originadas. Eram as linhas Shuri-Te (Mão de Shuri), Naha-Te (Mão de Naha) e Tomari-Te (Mão de Tomari), que enfatizavam explosão muscular, respiração e ritmo dos movimentos respectivamente.
A partir da restauração Meiji (1868), e das diversas transformações sociais que ocorreram no período (principalmente o abandono dos costumes oriundos do período feudal controlado pelo Xogunato), o Ishi-soden foi abolido e passou a haver menos controle sobre a prática do Tode. Este podia então ser ensinado não a um, mas a um número reduzido de alunos. Surgiu nesta época o costume de se ‘entregar’ a criação (ou pelo menos o treinamento em Tode) do filho para um amigo da família.
Neste período, um dos mais eminentes mestres da arte de Okinawa, passou a trabalhar em uma forma de levar a prática do Karate ao público geral, tornando-o a disciplina a ser usada como Educação Física nas escolas. Para isto, Anko Itosu (ou Yasatsune Itosu em algumas traduções) formulou os ’Dez artigos sobre o Tode’, que bem aceitos pelos dirigentes do sistema educacional da época possibilitaram a inserção do Karate nas escolas da Prefeitura de Okinawa. Sabe-se que o próprio mestre Gichin Funakoshi aproveitou a oportunidade, já que fora educado nos clássicos chineses (Daikyo, Chukyo e Shokyo) e outras obras importantes da época por seus avós (também professores de literatura e caligrafia) para tornar-se professor. Muitos pontos interessantes relacionados a este fato, como a resistência de seu pai, que Funakoshi descreve como um descendente de samurai (no caso, talvez de Peichin) e o fato de Funakoshi ter recusado-se a ingressar na Faculdade de Medicina de uma das principais universidades japonesas para não ser obrigado a cortar o birote (nó de cabelo samurai que usava e fora proibido pela Restauração Meiji). Podemos ver como diversas mudanças sócio-culturais naquela sociedade influenciaram a vida e os costumes das pessoas, através do relato do mestre em seus livros ‘Karate-Do Nyumon’ e ‘Karate-Do: Meu Modo de Vida’. Outros grandes mestres da época, como Jigoro Kano (o fundador do Judô), também escolheram por tornarem-se professores, o que era ‘o grande lance’ pois o novo regime (Meiji) transformara esta profissão numa das mais respeitadas e rentáveis do início do século XX.
Da mesma forma que no Japão continental se usava o jargão “a educação que antes era direito único dos samurai agora será para todos membros do povo” para conquistar o apoio popular, em Okinawa se procedia de forma semelhante. O fim do Ishi-soden e a introdução do Tode nas escolas municipais foi uma forma de ganhar o povo pelo fim do ‘segredo dos Peichin’ e ganhar as autoridades pela possibilidade de promover uma educação guerreira desde a infância (a idéia principal da carta de Itosu -os 10 artigos sobre Tode- aos dirigentes do sistema educacional). Foi uma medida diretamente ligada a uma cultura de fortalecimento militar do Japão (do qual Okinawa já fazia parte totalmente) que se preparava para um embate com a Rússia.
Por fim, esta abertura cultural e o próprio desenvolvimento do Karate tomariam um caminho sem volta em direção a expansão para o Japão continental e para o Mundo. A partir da década de 1920, diversos mestres de Okinawa iriam para o Japão a fim de disseminar a arte que vinha sendo cultivada há séculos pelos Peichin. Era o cenário para a transição das ‘Mãos Chinesas’ para o ‘Caminho das Mãos Vazias’.
“Nunca pronuncies estas palavras: “isto eu desconheço, portanto é falso“. Devemos estudar para conhecer; conhecer para compreender; compreender para julgar“. – Aforismo de Narada.
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