O presidente russo tenta ser o avalista de uma solução para o país
por Emma Graham-Harrison e Alec Luhn — publicado 10/10/2015 08h25
Mamun Ebu Omer/ Anadolu Agency/AFP
Vladimir Putin, o presidente da Rússia, autorizou um grande deslocamento de soldados, armas e aeronaves para a Síriacom o fim de reformular não apenas uma guerra civil na borda do Mediterrâneo, mas a posição de seu país na comunidade internacional.
Moscou está isolada há anos pelas sanções impostas ao país em punição por sua anexação da Crimeia e pelo apoio aos separatistas no leste da Ucrânia. Ao aumentar seu suporte ao beligerante regime sírio, Putin enviou um claro sinal de que não haverá solução para o conflito sangrento sem Moscou.
“Putin e o Kremlin tiveram o claro objetivo de superar o isolamento internacional por causa da Ucrânia”, disse Alexander Golts, analista militar e vice-editor de um site de notícias censurado horas depois da anexação da Crimeia. “A ideia de uma coalizão anti-Estado Islâmico parecia uma espécie de ponte excelente para superar o isolamento, e parece ter funcionado.”
A expansão militar em torno da base aérea russa de Latakia, captada em imagens de satélite, não é apenas aparência. A Rússia está ansiosa para manter suas únicas bases aéreas e navais no Mediterrâneo, avessa a permitir as mudanças de regime desejadas pelo Ocidente e preocupada com a influência dos radicais islâmicos em áreas muçulmanas.
Mas, ao enviar alguns milhares de soldados para bases bem protegidas, onde eles não deverão atualmente fazer mais do que dar treinamento e apoio aos sírios, Putin rompeu o isolamento diplomático, reforçou a reivindicação a uma presença estratégica no Oriente Médio e apresentou a tese de que nenhum acordo em conflito internacional pode ser feito sem seu país.
Alguns meses atrás, o líder russo teria chegado à ONU para a reunião da Assembleia-Geral como um virtual pária. Agora ele tem uma reunião marcada com o presidente Barack Obama, e o prolongado conflito europeu será gentilmente ignorado, enquanto os líderes reunidos em Nova York esperam avidamente por suas sugestões sobre como podem recuar do precipício na Síria.
“O objetivo russo é reafirmar seu papel central na condução de qualquer crise global”, disse Jonathan Eyal, diretor internacional do Royal United Services Institute, grupo de pensadores. “Sem a Síria, um homem conhecido pela agressão na Ucrânia terá de se explicar. Agora todo mundo parece ter esquecido o que aconteceu na Ucrânia e estará atento a cada palavra. É uma reviravolta.”
O preço dessa transformação foi a mobilização de, aproximadamente, 2 mil soldados para uma base aérea na Síria, juntamente com 24 aviões de guerra, tanques, helicópteros e complexos antiaéreos. Um soldado russo disse recentemente ao site de notícias Gazeta.ru que 1,7 mil soldados estão na base naval em Tartus, reformando os cais.
Alguns no Ocidente manifestaram preocupações sobre a escalada militar e o secretário da Defesa britânico, Michael Fallon, advertiu que “isso só vai complicar o que já é uma situação muito complexa e difícil”. A política ocidental para a Síria está, no entanto, tão desorientada que o tipo de realpolitik impiedosa da Rússia transformou o presidente sírio,Bashar al-Assad, em um curinga inesperado. Mesmo nas capitais europeias, políticos que pediram sua deposição começam a contragosto a afirmar que o ditador é a única e triste esperança de alguma estabilidade em seu país.
Os planos dos Estados Unidos de treinar e armar rebeldes moderados que poderiam combater o Estado Islâmico desmoronaram com a desintegração dessas unidades. Hoje, elas se resumem a alguns combatentes e entregaram seus equipamentos à Al-Qaeda.
As milícias rebeldes que oferecem o maior desafio a Assad também são islâmicas, algumas com ligações com a Al-Qaeda, por isso seriam aliados desconfortáveis para Washington. Com o fim do conflito fora de vista, a Rússia apresenta Assad como a única esperança de estabilidade.
Na realidade, reforçar Assad não resolverá necessariamente duas das principais preocupações da Europa, o Estado Islâmico e o fluxo de refugiados. Assad concentrou amplamente sua atenção no combate a outros grupos e deixou a batalha contra o EI principalmente para as forças aéreas ocidentais, as milícias curdas e quaisquer rebeldes cujas ambições territoriais os coloquem em conflito com o grupo sediado em Raqqa.
A maioria dos refugiados sírios também não foge do EI. O número de baixas civis é difícil de precisar, por causa da intensidade do conflito, mas quase todos os observadores concordam que as forças de Assad mataram mais sírios que qualquer outro grupo. Elas evitaram a publicidade que o EI tanto deseja, mas suas bombas de fragmentos visaram deliberadamente bairros civis, estimulando o êxodo.
A solução ampla do conflito que o Ocidente busca talvez não esteja ao alcance da Rússia. Não há evidências de que Moscou tenha uma compreensão mais clara do que os políticos ocidentais da trama de facções envolvidas que tornam a guerra tão complexa.
Tampouco parece haver qualquer apetite real em Moscou, entre militares ou cidadãos comuns, por uma intervenção em larga escala que levaria os russos a lutar ao lado dos sírios. As guerras lideradas pelos Estados Unidos na última década, que tornaram o Ocidente tão temeroso de colocar novamente homens em campo para enfrentar o EI ou conter o banho de sangue na Síria, têm um contraponto na memória russa: sua intervenção desastrosa no Afeganistão. Enquanto os custos e as mortes disparavam, os mujahedin lutavam em uma guerra que, segundo alguns historiadores, contribuiu para o colapso da superpotência e ainda não foi esquecida. O número de baixas subiu tanto que os corpos eram levados para casa e enterrados em segredo.
Por enquanto, Putin obteve ganhos importantes por um custo relativamente modesto, mas faz política com uma guerra imprevisível. Se o controle de Assad cair ainda mais, Moscou poderá enfrentar uma opção desconfortável entre abandonar o ditador sírio ou fazer sacrifícios muito mais difíceis.
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