Por Sergio da Motta e Albuquerque em 03/09/2013 na edição 762
Os protestos iniciados em junho trouxeram com eles o emprego em massa
de um vocábulo conhecido por descrever um petisco popular pouco
saudável: a coxinha. Mas agora a palavra adquiriu novo sentido e eu
demorei a entender com certeza seu significado preciso. A fala dos
manifestantes trazia cada vez mais a meus ouvidos cariocas esta palavra
que eu só conseguia entender pelo contexto: “coxinha” podia ser um
adjetivo ou substantivo, a depender da situação, e referia-se a alguém
meio tolo, ou conservador. Também ouvi falar do verbo “coxinhar”. Que se
refere à atividade do “coxinha”, ou às ações de um. Mas isso foi pouco
para mim e para muitos outros brasileiros.
O que é, afinal, um “coxinha”? O que é ser “coxinha”? O vocábulo, amplamente usado nos protestos, era um enigma para mim. Encontrei duas publicações que tentaram explicar o novo significado do velho e gorduroso petisco de botequim: ano passado, a Folha de S.Paulo (22/04/2012), em sua revista de domingo, fez uma boa tentativa. Começou com uma explicação de sua abrangência geográfica: trata-se de gíria paulistana. Para explicar o novo significado da palavra entrevistou pessoas que já tinham ouvido falar dela. Logo surgiu um consenso sobre o seu significado: “coxinha” é gente engomada, certinha, que segue a maioria. Gente convencional e conservadora, em suma.
Mas foi o diário Correio do Brasil (23/06) que apresentou a melhor explicação para o vocábulo que tomou conta dos protestos. O periódico não buscou somente a nova acepção da palavra, mas sua relação com os protestos. Juntou o sociólogo Leonardo Rossato e o professor de português Michel Montanha, que elaboraram uma “análise sociológica” do coxinha e apresentaram uma hipótese sobre sua origem:
O vocábulo parece ter sua origem nos pobres “almoços” dos policiais nos anos de 1980, que recebiam vales-refeição tão desvalorizados que acabaram apelidados de “vale-coxinha”. Com o tempo, policial e coxinha tornaram-se sinônimos. Os programas policiais no rádio e na TV acabaram por estender o novo significado da palavra a todos aqueles preocupados com a segurança acima de tudo.
Mas por que os coxinhas agora tornaram-se tão notórios? Por que acabaram mais visíveis à sociedade neste momento de protestos? O Correio do Brasil explicou:
Acomodados pedantes
Os protestos de junho em diante expuseram os coxinhas à população brasileira. Narcisistas, incapazes de identificação com o próprio povo, movidos pela necessidade de diferenciação, a teoria de Thorstein Veblen, norte-americano, economista, sociólogo e mentor de Jean Baudrillard, explica em parte esses “cidadãos diferenciados”. Para Veblen, os seres humanos são guiados por necessidade de diferenciação e distinção. Vicente de Paula Faleiros, em seu livro A política social do Estado capitalista (1987, Cortez), comentou o sociólogo norte-americano:
Distinção do resto da população é a meta e a vida dos coxinhas. Por isso, o desprezo aos protestos do povo. Eles estão bem longe do mundo de onde vem a maioria daqueles que protestam. E querem deixar isso bem claro. É apenas justo que agora eles caiam no ridículo aos olhos de muitos. Porque a gente brasileira finalmente acordou e os coxinhas lá no fundo sabem que não passam de acomodados pedantes, e não farão parte das mudanças que virão para um país que já não tolera candidamente os abusos dos poderosos.
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Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor
Fonte: http://observatoriodaimprensa.com.br/feitos-desfeitas/_ed762_o_surgimento_dos_coxinhas/
O que é, afinal, um “coxinha”? O que é ser “coxinha”? O vocábulo, amplamente usado nos protestos, era um enigma para mim. Encontrei duas publicações que tentaram explicar o novo significado do velho e gorduroso petisco de botequim: ano passado, a Folha de S.Paulo (22/04/2012), em sua revista de domingo, fez uma boa tentativa. Começou com uma explicação de sua abrangência geográfica: trata-se de gíria paulistana. Para explicar o novo significado da palavra entrevistou pessoas que já tinham ouvido falar dela. Logo surgiu um consenso sobre o seu significado: “coxinha” é gente engomada, certinha, que segue a maioria. Gente convencional e conservadora, em suma.
Mas foi o diário Correio do Brasil (23/06) que apresentou a melhor explicação para o vocábulo que tomou conta dos protestos. O periódico não buscou somente a nova acepção da palavra, mas sua relação com os protestos. Juntou o sociólogo Leonardo Rossato e o professor de português Michel Montanha, que elaboraram uma “análise sociológica” do coxinha e apresentaram uma hipótese sobre sua origem:
“Coxinha, sociologicamente falando, é um grupo social específico, que
compartilha determinados valores. Dentre eles está o individualismo
exacerbado e dezenas de coisas que derivam disso: a necessidade de
diferenciação em relação ao restante da sociedade, a forte priorização
da segurança em sua vida cotidiana, como elemento de “não-mistura” com o
restante da sociedade, aliadas com uma forte necessidade de parecer
engraçado ou bom moço.”
Símbolo do amadurecimento O vocábulo parece ter sua origem nos pobres “almoços” dos policiais nos anos de 1980, que recebiam vales-refeição tão desvalorizados que acabaram apelidados de “vale-coxinha”. Com o tempo, policial e coxinha tornaram-se sinônimos. Os programas policiais no rádio e na TV acabaram por estender o novo significado da palavra a todos aqueles preocupados com a segurança acima de tudo.
Mas por que os coxinhas agora tornaram-se tão notórios? Por que acabaram mais visíveis à sociedade neste momento de protestos? O Correio do Brasil explicou:
“Até algum tempo atrás, eles não tinham essa necessidade de
diferenciação. A diferenciação se dava naturalmente, com a absurda
desigualdade social das metrópoles brasileiras. Hoje, com cada vez mais
gente ganhando melhor e consumindo, esse grupo social busca outras
formas de afirmar sua diferenciação. Para isso, muitas vezes andam
engomados, se vestem de uma maneira específica, são ‘politicamente
corretos’, dentro de sua noção deturpada de política, e nutrem uma
arrogância quase intragável, com pouquíssima tolerância a qualquer
crítica.”
Engomados, bons moços, preocupados em acentuarem suas diferenças do
resto da sociedade, inimigos da crítica… Acabaram ridicularizados pelo
restante da sociedade. Antes dos protestos, eles só eram visíveis em São
Paulo. Coxinha era fenômeno tipicamente paulistano: “Ele não aparecia,
portanto não poderia ser criticado ou ridicularizado”, explicou o
periódico. O coxinha, paradoxalmente é um símbolo do amadurecimento da
nossa sociedade, concluiu o jornal: a sociedade brasileira amadureceu
porque a estrutura de classes sociais tornou-se mais complexa e
diferenciada.Acomodados pedantes
Os protestos de junho em diante expuseram os coxinhas à população brasileira. Narcisistas, incapazes de identificação com o próprio povo, movidos pela necessidade de diferenciação, a teoria de Thorstein Veblen, norte-americano, economista, sociólogo e mentor de Jean Baudrillard, explica em parte esses “cidadãos diferenciados”. Para Veblen, os seres humanos são guiados por necessidade de diferenciação e distinção. Vicente de Paula Faleiros, em seu livro A política social do Estado capitalista (1987, Cortez), comentou o sociólogo norte-americano:
“O homem atua por emulação e pelo desejo de se evidenciar entre os
demais. Desta maneira, as classes superiores se distinguem das classes
trabalhadoras pelo evidente ‘não-trabalho’. O lazer, a moda, o consumo
ostensivo são todos meios para se distinguir.”
Distinção, moda, lazer e consumo conspícuo realmente fazem parte do
universo dos coxinhas. Só encontro um problema com esta explicação: ela
naturaliza uma condição humana que na realidade é produzida socialmente.
Ou seja, os coxinhas são coxinhas porque adotam um determinado sistema
de crenças e valores compartilhado por outros iguais. Não são coxinhas
porque a natureza os fez assim. Eles escolheram ser o que são.Distinção do resto da população é a meta e a vida dos coxinhas. Por isso, o desprezo aos protestos do povo. Eles estão bem longe do mundo de onde vem a maioria daqueles que protestam. E querem deixar isso bem claro. É apenas justo que agora eles caiam no ridículo aos olhos de muitos. Porque a gente brasileira finalmente acordou e os coxinhas lá no fundo sabem que não passam de acomodados pedantes, e não farão parte das mudanças que virão para um país que já não tolera candidamente os abusos dos poderosos.
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Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor
Fonte: http://observatoriodaimprensa.com.br/feitos-desfeitas/_ed762_o_surgimento_dos_coxinhas/
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